domingo, 14 de setembro de 2008

Música clássica em Mato Grosso

Orquestra de Mato Grosso em concerto no Mercado do Porto em 30 de agosto. Foto: Protásio de Morais

No último 7 de setembro publiquei no Correio uma entrevista que fiz com Leandro Carvalho, maestro da Orquestra de Mato Grosso. É o post de hoje. Um pouco extenso mas vale a pena ler! Aí vai...

Um notável nome na cultura mato-grossense: Leandro Carvalho

As apresentações já nem são tão necessárias. Leandro carvalho, maestro da Orquestra de Mato Grosso, já conseguiu lançar seu nome - e o da orquestra - por todo o Brasil. Quem dirá aqui na região... Saindo das salas fechadas de concerto, ele ganhou as ruas, as escolas, as fábricas, as praças e até o Mercado do Porto, onde, no último dia 30, a Orquestra fez um de seus concertos mais especiais e inusitados. E, assim, no melhor dos sentidos, Leandro caiu na boca do povo. O Correio foi bater um papo com ele, na tentativa de explorar um pouco mais esta personalidade. O resultado? Tivemos que sair do padrão e fazer, de maneira inédita, uma “capa dupla” para esta edição! Criatividade é contagiante...


Leandro, como foi o seu processo de “despertar” para a música e como foi a transição para a vida profissional?


LC - Minha infância foi cercada de músicos. De mestres violeiros, como Adauto Santos, passando por João Pacifico, ao Maestro Eleazar de Carvalho. Meus pais, mesmo médicos, sempre foram amigos de músicos e gostavam de reuni-los em casa para saraus que varavam a madrugada. Meu primeiro mestre foi Turíbio Santos. Cheguei até ele pelas mãos do Maestro Eleazar de Carvalho. Irônico porque naquela época eu nunca poderia imaginar que a regência me esperava. Meus pais foram amigos do casal Eleazar e Sônia Muniz (pianista e segunda esposa do Maestro). Com quatorze anos, o Eleazar me convidou para ser solista da OSESP, sob sua regência, num concerto especial a ser realizado no Memorial da América Latina. Tocamos algumas adaptações de Bach para violão e cordas que o próprio Eleazar fez. Depois disso, o Eleazar pediu ao amigo Turíbio que me ouvisse. Naquela altura, o Turíbio dava pouquíssimas aulas particulares e abriu uma exceção. Fui com meu pai para o Rio de Janeiro para tocar para o Turíbio. Chegamos em seu apto, era uma tarde bonita, céu azul. Meu pai foi logo para a varanda e começou a reparar nos pássaros e nas plantas, enquanto eu reparava no Turíbio e ele em mim. Depois de algumas músicas o Turíbio propôs que eu aprendesse uma série de exercícios técnicos e um longo repertório para o mês seguinte. Após essa primeira etapa, ele daria o veredicto. Trinta dias depois, fui sozinho ao Rio com os cinco prelúdios e o Choro n.1 de Villa-Lobos, algumas danças da Suíte em mi menor para alaúde de Bach, mais uma tonelada de exercícios técnicos debaixo dos dedos, tudo de cor! O Turíbio gostou e foi dizendo: “Bom, então para o próximo mês ....”. E ai começou uma longa amizade, com muito respeito e admiração, concertos e três discos em parceria, com destaque para “O Guarani” que gravamos em duo em 1999.

O seu sucesso com a música veio com sua carreia de violonista. Gravou nove cd’s, fez concertos em todo o Brasil e Europa... Teve mestres como o Turíbio Santos, um dos grandes violonistas brasileiros. Enfim, tinha tudo para continuar essa carreia. O que te fez mudar de rumo e buscar outros desafios?


LC - Sempre vi o violão como uma ‘ferramenta’. O objetivo sempre foi a música. Para mim a mudança foi natural, necessária. Mesmo não tocando mais violão, nunca fiz tanta música como agora.


Você graduou-se em Música Erudita em São Paulo e depois foi para a Holanda. Como foi esta experiência fora do Brasil?


LC - O período na Holanda foi muito enriquecedor. Foi muito difícil também. A adaptação foi traumática. A Holanda não é o país que pensamos. Eles vendem uma imagem que não corresponde à realidade. Ou melhor, vendem uma imagem turística de um país moderno, liberal, dinâmico e tolerante. Depois de algum tempo vivendo no país, com passaporte europeu (!), vi que ‘o buraco é mais embaixo’. Muitas universidades e conservatórios europeus de destaque estão com salas vazias por falta de alunos. Em música, a situação é grave. É por isso que estas instituições fazem promoções no exterior para atrair talentos. Além de estudar regência, continuei me dedicando à carreira de violonista. Como meus Cds vendem razoavelmente bem na Europa, fui procurado por alguns empresários e acabei fazendo concertos em locais de grande prestigio como o Royal Festival Hall, em Londres. Lembro de receber convites para concertos em 2007. O problema é que estávamos em 2002! Fiquei chocado com isso. Nesta época, comecei um trabalho com o quinteto de cordas inglês ‘Britton String Quintet’, formado por jovens britânicos extremamente talentosos. Gravamos o disco ‘London Poem’, fizemos muitas turnês no Brasil e no Reino Unido. Um ano após o encerramento da última turnê, eu estava à frente da Orquestra do Estado de Mato Grosso, o violoncelista David Gardner aceitou o desafio de levantar a Orquestra comigo e também se mudou para Cuiabá para liderar o naipe de violoncelos, o violista Thomas Beer estava à frente do naipe de violas da Orquestra The Halle, na Inglaterra, e a violinista Rebecca Allan, meia inglesa, meia alemã, havia ingressado na Filarmônica de Berlim. O mundo dá piruetas!

No seu mestrado em História Social, em Pernambuco, você teve a orientação de Ariano Suassuna, um grande defensor da cultura brasileira, da cultura popular. Como foi sua experiência em PE? Esse contato com Ariano teve influência no que você faz hoje na Orquestra de MT, misturar o erudito ao popular?


LC - Minha ida para Pernambuco se deu numa atmosfera idílica. Eu estava em busca do Brasil de Villa-Lobos. Achava que ainda existia. Queria me aproximar da cultura popular nordestina. Quando fui lançar meu primeiro CD “João Pernambuco o Poeta do Violão”, em Recife, em 1997, conheci Ariano e surgiu a oportunidade de continuar meu trabalho sob sua orientação. Conhecer a literatura ‘básica’ sobre o Brasil ajudou muito a me adaptar ao ambiente acadêmico das ciências humanas. O porquê do meu interesse por isso deve ter a ver com meu pai, Turíbio, João Pacifico e as pessoas com as quais convivi desde criança. Sobre o “Eurdito X Popular” eu diria que, para nós músicos, existe pouca distinção entre música ‘isso’ ou música ‘aquilo’. Popular, erudito, brasileira, e outros, são conceitos que se rarefazem na medida em que nos aprofundamos no estudo da música (ou em outras linguagens). No entanto, na hora de organizar uma temporada de concertos e estabelecer as diretrizes artísticas de uma orquestra, é preciso levar em consideração uma série de fatores. Em Mato Grosso, por exemplo, definimos uma nova estrutura para os concertos: em vez do tradicional, ou seja, primeira e segunda parte, com aproximadamente 50 minutos cada, com um intervalo de 20 minutos, decidimos fazer apenas uma parte de 70 minutos, começando sempre com uma peça ‘séria’, do repertório universal. Após este primeiro momento de muita concentração por parte da orquestra e do público e de silêncio absoluto, entram as violas de cocho e a percussão e partimos para outro repertório, com peças mais curtas baseadas na cultura popular brasileira e sul-americana. O resultado é um público anual, apenas em Mato Grosso, em torno de 150.000 pessoas.


Você foi um dos criadores da Orquestra em 2005. Hoje, a Orquestra goza de destaque nacional, pela voz da crítica e pela voz do povo. Recentemente, acabaram de chegar da turnê Sonora Brasil, passando por 22 estados brasileiros. A que você atribui esse destaque de uma Orquestra tão nova, tão recente? Como funciona a administração da Orquestra?


LC - O sucesso da Orquestra é uma somatória de muitos fatores, começando pela vontade do poder público em criar e manter um grupo de alto padrão, neste caso o Governo do Estado chefiado pelo Governador Blairo Maggi. A partir desta percepção, sensibilidade e atitude, reunimos um grupo de empresas sérias e preocupadas com o desenvolvimento social do Brasil para patrocinarem a Orquestra. Desde 2005, a estrutura de gestão da Orquestra foi se aperfeiçoando para chegar hoje num modelo próximo do ideal, semelhante as melhores orquestra do mundo. A estrutura de uma orquestra é uma coisa complexa e pode ser comparada à estrutura de grandes corporações. Mesmo numa orquestra de câmara, como é nosso caso, você tem um corpo de funcionários em torno de cinqüenta pessoas, dentre músicos, produtores, administradores, arquivista, montador, além do serviço terceirizado de contabilidade e comunicação. Toda a complexidade das relações de trabalho está no dia a dia da Orquestra. É preciso também saber se relacionar com os patrocinadores (cada empresa tem uma maneira diferente de trabalhar e espera resultados específicos do investimento realizado) e com o Governo Estadual e Federal. As relações políticas também fazem parte do nosso dia a dia. É preciso agüentar muita pressão para garantir que a ‘carruagem’ não se assuste com o ladrar dos cães. A Orquestra tem o Governo do Estado na base de sua sustentação e as empresas Votorantim, Nortox e Bimetal como patrocinadoras. Além disso, várias outras empresas nos dão apoio em forma de serviços, com destaque para a Localiza e para o Sesc Mato Grosso. Em 5 de julho de 2007, foi publicado o decreto governamental reconhecendo a Orquestra do Estado como OS – Organização Social da Cultura. Desta forma, o relacionamento da Orquestra com o Estado regula-se através de um ‘contrato de gestão’, dando mais segurança e sustentabilidade para o desenvolvimento dos trabalhos. Vejo isso como uma importante conquista da sociedade. È para ela que trabalhamos! Os maestros e os músicos passam, mas a Orquestra continua. È importante ganhar força para resistir às transições políticas.


Você foi apontado como um dos dez artistas de maior importância na música clássica da década, pelo Anuário Viva Música 2008. O mais jovem da lista. O único fora dos grandes centros. O que isso representa para você? E o que isso deve representar ao público?


LC - É uma honra receber uma indicação como esta, vinda da mais importante publicação do setor. Recebo este reconhecimento em nome de um grupo de profissionais sérios e comprometidos com seu trabalho. São dezenas de músicos e gestores que trabalham diariamente para fazer com a Orquestra do Estado de MT alcance um patamar de excelência. O reconhecimento deste trabalho nos dá ânimo para continuar a caminhada. Ressalto ainda que, com destaques desta natureza, o nome do Estado de Mato Grosso começa a ser veiculado na mídia nacional relacionado à música, ao desenvolvimento humano e a excelência. É uma contribuição importante para melhorarmos a imagem deteriorada, em vários aspectos, do Estado no imaginário brasileiro.


Pela sua história, é possível ver que é um homem de desafios. Quais serão os próximos?


LC - A Orquestra do Estado de Mato Grosso caminha para ser uma das melhores orquestras do Brasil. Parece uma afirmação pretensiosa, mas essa é a vontade dos músicos e do público da Orquestra. E não apenas ‘do maestro’. Estruturamos o trabalho da Orquestra com foco na democratização do acesso à cultura. Ressalto que este direcionamento não se dá em detrimento à qualidade técnica e artística ou a seleção de um repertório interessante. Analisando o comportamento das orquestras no Brasil e observando atentamente a ‘ascensão e queda’ de grandes orquestras européias percebi que muita coisa estava faltando. Era preciso se libertar do convencionalismo retrógrado das salas de concerto. Encontramos em Mato Grosso um ambiente propício para experimentarmos uma proposta diferente. Após três anos de trabalho, levamos ao coração de São Paulo e apresentamos para um público habituado a freqüentar salas de concerto e ver grandes orquestras. O resultado foi ótimo. Acredito que o futuro, ou melhor, a sobrevivência da música ‘clássica’ depende da reformulação radical de conceitos por parte, principalmente, dos maestros e administradores. Os patrocinadores já têm outra cabeça e vão procurar orquestras que tem o foco no homem comum e não necessariamente naquela meia dúzia de freqüentadores ‘nariz empinado’ das salas de concerto. Mais uma vez, o foco deve estar na descentralização e na democratização. E uma orquestra deve ser vista como um patrimônio da população, algo que traga orgulho e se relacione diretamente com os valores da comunidade. Os maestros passam, os músicos passam, os governantes mudam, mas, de geração em geração, a orquestra atende a população e preserva valores fundamentais para aquela sociedade.

* Quem quiser saber mais sobre a Orquestra de Mato Grosso e conferir a programação de concertos, pode acessar o site www.orquestra.mt.gov.br.


quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Agosto desgosto?




Agosto, do latim Augustus, é o oitavo mês do calendário gregoriano. É assim chamado por decreto em honra do imperador César Augusto. O mês também carrega uma série de crenças populares, que o apelidaram de “mês do cachorro louco” e até “mês do desgosto”. Mas, por que será que isso acontece?


A história conta que os romanos não gostavam do mês de agosto. Acreditavam na existência de um dragão enorme, horrível, que, cuspindo fogo pelas narinas, passeava no céu durante todo o mês, dragão este que não passava da constelação de Leão nos céus do hemisfério norte.


Em Portugal, as mulheres não casavam nunca no mês de agosto. Na verdade, nem era por superstição, no início. É que o mês era a época em que os navios das expedições zarpavam à procura de novas terras. Casar em agosto significava ficar só, sem lua-de-mel e, às vezes, até mesmo viúva, já que os maridos embarcavam e muitos não voltavam. Com o tempo, fez-se a lenda. Os colonizadores portugueses trouxeram esta crença para o Brasil já transformada em ditado popular, segundo o qual "Casar em agosto traz desgosto”.


Aqui em Cuiabá a superstição ainda vale. O Frei Alceu Boniatti, da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, conta que em agosto o número de casamentos diminui muito. “Mas pessoas já foram mais supersticiosas. Hoje está melhorando”. O Frei acredita que o fato do número reduzido de casamentos nesse mês não é apenas culpa da carga pejorativa que agosto carrega, mas também porque as pessoas estão ficando mais práticas. Dezembro é um dos campeões de uniões matrimoniais, por conta das férias, da visita dos parentes e do 13º salário.


Mas, superstição não se mede, não é mesmo? O que podemos fazer é listar alguns acontecimentos escabrosos que, por coincidência ou não, assolaram o já perturbado mês agostino.

No dia 1º de agosto de 1914 começou a 1ª Grande Guerra Mundial. A Segunda Grande Guerra teve início em agosto de 1939. Com a morte de Hinderiburgo ocorrida no dia 2 de agosto de 1932, Hitler assume o governo da Alemanha. Em agosto de 1945 as cidades de Hiroshima e Nagazaki foram destruídas por bomba atômica. No dia 13 de agosto de 1961 foi iniciada a construção de um muro, em Berlim, depois mais conhecido como o Muro da Vergonha.


Na cidade de Nova York, no dia 6 de agosto de 1890, o primeiro homem foi eletrocutado numa cadeira elétrica, Em agosto de 1957 foi decretado estado de calamidade pública no Brasil em conseqüência da epidemia da gripe denominada asiática, sendo transformados em hospitais de emergências escolas, clubes e repartições estaduais e federais.


Como resultado de uma crise política que assolou o país, suicidou-se, em 24 de agosto de 1954, no Rio de Janeiro, o então presidente da República Getúlio Vargas. Juscelino Kubitscheck também morreu em agosto.


Uma outra morte em agosto sentida pela cultura nacional foi a de Glauber Rocha, um gênio que abriu novos caminhos para o cinema mundial. Raul Seixas também faleceu em agosto. Vale dizer que no dia 24 de agosto o candomblé brasileiro comemora o dia de todos os Exus. E dizem que o “coisa ruim” anda solto por aí, aprontando as suas. Ah, também instituíram esse como o “Dia da Sogra” (fica a pergunta: a superstição contra as sogras nasceu dessa data comemorativa ou a data foi escolhida justamente por já haver a superstição? rs).


Brincadeiras e crenças à parte, o fato é que o mês de agosto, pelo menos em Mato Grosso, é quase literalmente intragável. O Frei Alceu, longe de acreditar que Deus tira férias neste mês, atribui o mal estar de muita gente ao clima horrível que se instala por aqui, fruto da época, do tempo extramente seco e das queimadas. O baixista Samuel Smith concorda com o Frei: “Só sei que agosto é o mês mais seco do ano. E isso atrapalha à beça...”.


Se você vai “passar agosto esperando setembro”, como canta Zeca Baleiro, uma boa reza nos lábios e uma bacia de água do lado vão ajudar. Acredite. E ainda bem que o mês já se vai, enfim. Será quando chove???

terça-feira, 29 de julho de 2008

O Novo Homem

Um céu de julho em Rondônia

Faz tempo que esse assunto me rodeia em filosofias de boteco, entrevistas, matérias, exemplos vivos... Falo de um tipo masculino da atualidade, sem nomes, definições ou apelidos. Ele é sensível, não gosta de coçar o saco na frente dos outros e passa longe do estereótipo machista. E ele, absolutamente, não é gay.

O que mais me tristemente comove neste assunto não é o fato desses homens estarem se libertando das amarras machistas, pois isso, pra mim, é normal, é evolução. Mas, a realidade de que muitas mulheres estão recebendo isso com preconceito. Aliás, elas não estão nem recebendo (rs.).

Esse novo tipo de homem, que tenho prazer de apontar na minha agenda telefônica mais amistosa, é, contraditoriamente, o que eu já ouvi muita mulher desejar. Eles interessam-se por moda e estilo, ou pelos menos se vestem bem, gostam de cuidar da casa, não acham que design de interiores é coisa de... (deixa pra lá), não abominam discussão de relacionamento, vulgo e temido DR, e não se importam de assistir uma comédia água-com-muito-açúcar com a namorada (gostar também já é demais...).

Esse novo tipo, mesmo gostando de futebol, não acha que é a coisa mais importante do mundo, ainda mais acompanhada de uma picanha mal passada com um dedo de gordura escorrendo (que ele limpa na toalha da mesa ou no calção). Ele preocupa-se com o colesterol e a alimentação em geral. Receber boa indicação sobre o próximo cabeleireiro que irá freqüentar, para que não tenha problemas. Preocupa-se com a pele e usa filtro solar. Lê sobre tudo. Gosta das artes. Sabe ir ao mercado, fazer uma boa compra e dizer se o quilo da banana maçã está muito caro.

God! Quantas vezes eu já ouvi – e tenho certeza que você também – reclamações acerca da grosseria masculina, da falta de tato com assuntos da casa, da acusação de futilidade quando o assunto é cuidar da beleza e do corpo? Perco a conta, inclusive dos “etc” que poderiam surgir antes da interrogação. E nem me interessa mais contar. Agora começo a anotar na caderneta coisas do tipo “ah, ele se veste bem, cozinha e não sai pegando todas, só pode ser gay!”. Ok, ele pode ser sim, da mesma maneira que pode não ser. Então, sem preconceitos.

Acho que a grande questão é que as mulheres ainda estão aprendendo a receber o novo homem. Elas esperam o tipo machão viril, que pisa e pega firme (“God!” de novo, rs.), e que jamais saberia escolher um shampoo bom pro seu cabelo. É o hábito... Habitualmente elas esperam um tipo do qual irão fazer as mesmas reclamações de todo o sempre. Se o sexo for muito bom, perdoável – dirão.

Quando disse que o novo homem não tem apelidos, menti. Eu o dei um, Homem-Fêmea, mas escondi com receio de parecer pejorativo. Mas, agora, acho conveniente dizer. Pois, enquanto isso, na sala de justiça, surge uma nova classe feminina que pode dar muito certo com o Homem-Fêmea: a Mulher-Macho. É ela quem vira e dorme depois de você-sabe-bem-o-quê. E é ele quem fica puto. Mas, essa é história para outro capítulo.

O mundo é uma divertida e louca história.





terça-feira, 22 de julho de 2008

Uma Arte-Moda Irreverente


Como todo libriano, ele tem um apurado senso estético. Apurado - repito - e muito original. A originalidade tempera também sua arte, sua vida e seu nome: Einstein Halking. Nome esse que, não por acaso, remete a gênios da física. Porém, a verdadeira fórmula de sucesso deste Einstein está nas cores, formas, tecidos, recortes... Um estilista. Um cara da moda.

Com 25 anos, ele é dono, mentor e “pau-pra-toda-obra” da “eh.”, uma marca de roupas masculinas, com predominância em camisetas criativas e inusitadas. No slogan da marca é possível sentir que o senso comum não estampa suas peças: “Um dia todos serão iguais. Aproveite enquanto você é diferente”.

O interessante é que antes da eh. Einstein criou a eh. FACTORY, um laboratório de criação de arte, experimentação, sem a preocupação com o lado comercial. A moda, para ele, não foi causa, mas conseqüência.

Ele é um amante das artes plásticas, tendo passado pela pintura e fotografia. E, descobrindo que queria mesmo era ter o corpo como ferramenta e obra de arte, resolveu seguir o caminho da moda. Ela seria seu espaço, seu mural.

Antes de unir moda e arte, o universo era todo observação, pesquisas e palavras. Deslumbrado com tudo que acontecia na cultura underground, ele olhava, processava, digeria e mandava para fora. Foi aí que, desde a época do colegial, ele lançava pequenas publicações sobre o mundo não-convencional da arte, das ruas, da moda. “Sempre gostei do que não era correto. E por que não era correto? A estética marginal me agrada muito. O rebelde, o fora da lei”, revela Einstein.

Com toda essa raiz de pesquisa e observação, partir para tesouras e tecidos foi bastante natural. Previsível, talvez. E, hoje, na bagagem, ele tem coleções e coleções de peças e um livro saindo do forno. Livro esse que realiza seu mais antigo desejo em relação à moda, o de construir algo moderno e contemporâneo, que tivesse a ver com sua amada arte e com Mato Grosso. Mas, essa é uma cena a ser mostrada apenas no próximo capítulo, daqui a alguns meses.

São tantos os detalhes nas entrelinhas de uma simples camiseta da eh. que fica difícil a atenção direcionada aos assuntos mais técnicos. Mas, falemos deles. As camisetas, masculinas e muito bem recebidas pelo público feminino (customizar é o barato) são tudo, menos óbvias. A mais nova coleção, “We are eh.” Vem com muita mistura de tecidos e texturas. Halking gosta de usar aquilo que jamais seria comum, como apliques de recortes de um tecido de cortina sobre uma camiseta. Quem sabe uma toda de renda, preta, com forro de cetim, chiquérrima? “Essa coleção é uma grande brincadeira com formas, estampas, tecidos, cortes e cores“, conta o estilista.

É comum ver nas peças tecidos tingidos manualmente, com aspecto sujo e manchado. Cores fechadas, escuras, somadas a tons alegres. Elementos arquitetônicos estão sempre presentes. Tudo isso confere ao conjunto um ar bastante original e alternativo.

Com o propósito de quebrar o conceito da uniformização, Einstein desenvolve peças únicas e exclusivas. O público é pequeno, porém fiel. Nas etiquetas das camisetas não há nada escrito, apenas um espaço preto, vazio. “A identificação está no estilo. Quero que as roupas falem por si. Que as pessoas comprem pelo que é, não pela marca escrita da etiqueta”, explica o estilista.

As camisetas da eh. custam hoje algo entre 30 e 50 reais. A venda e a divulgação são feitas pela internet. Quer ver? Está tudo no site http://www.ehfactory.blogspot.com/, que, além de blog, funciona como uma loja virtual. Einstein também faz o sistema “delivery” com as peças, para que os clientes possam vê-las de perto e prová-las.
Repito o slogan... Aproveite enquanto você é diferente!

(matéria publicada no Jornal Correio em..em.. puta, esqueci, mas já tem uns poucos meses)

quinta-feira, 5 de junho de 2008

O conto das falsas coincidências


Todo dia de manhã era tudo igual. Ou quase. O sol batendo na parede direita do quarto, o despertador muito pontual, o alongamento, o banho, as notícias na internet, o “bom dia” ao dia... As frutas do café da manhã variavam, mas nem tanto. Por entre os atos diário-mecânicos surgiam fagulhas de novidades, às quais ele agarrava-se com força. Eram pequenos sinais, que davam o tom de quase à quase rotina e alimentavam a mente.
Ele falava pouco, porque gostava de observar muito, e achar os seus sinais. Naquela manhã de sexta-feira houve um acidente no trânsito, o que complicou bastante o tráfego. Em certo ponto, onde não era mais possível seguir reto, os motoristas embananavam-se entre o desvio direito e esquerdo. Ele, por uma fração de segundos, quase teve a mesma dúvida, mas lembrou-se da palavra “direito” na manchete em destaque no site de notícias que vira ao acordar. Por ali ele foi, pelo lado direito, que continha uma placa indicando a direção Sul.
O desvio redeu um pequeno atraso no trabalho. Nada grave. O pior dano foi não encontrar mais nem um gole de café na disputada garrafa térmica no escritório. As pessoas bebem muito café pela manhã. Na cantina do mesmo andar, ele resolveu comprar um chá, daqueles enlatados, gelados. A experiência foi boa, ele gostou. Resolveu ler o rótulo, a bebida era fabricada na região Sul do Brasil. Algo lhe despertou um sorriso daqueles de canto. Deve ter sido para o lado direito.
O trabalho foi normal. O almoço era sempre em algum restaurante ali por perto, para onde ele gostava de ir caminhando. Escolheu, entrou, serviu-se. Comeu assistindo à grande televisão de plasma que distraía famintos e satisfeitos. Antes de sair, uma matéria sobre a tradição das rodas de chimarrão roubou-lhe um minuto.
O trabalho durante a tarde voou. Prestes a ir embora, um colega perguntou sobre os planos para o feriadão que se iniciava no dia seguinte. Ele respondeu que não sabia, embora sua cabeça já pudesse imaginar.
Na volta para casa, depois do expediente, o caminho normal já pôde ser feito. Em casa, fumou o único cigarro do dia e cumpriu outros rituais. No último noticiário de sexta, ouviu, no quadro das previsões climáticas: “tempo bom na região sul do Brasil”.
Desligou a tevê. Organizou as idéias – e as malas. Na manhã seguinte pegou o primeiro avião para o Sul. Talvez estivesse lá o que ele tanto procurava.
Quase teve certeza quando viu que o número de seu vôo era o mesmo que os últimos quatro dígitos de seu telefone fixo. Na revista de bordo, uma pergunta na capa: “Você acredita em coincidências?”. A resposta dele foi clara. O sorriso, agora, foi com os dois cantos.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Linda Alegria









Quando eu a vi, me apaixonei. De todas as crianças, ela tinha os olhos mais curiosos e expressivos. Talvez porque falasse muito pouco com a boca.
O lado esquerdo da barriga era protuberante em excesso, por conta de um câncer.
Mas, maior que a dor, era a alegria.
Linda Alegria.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Eles têm fome de que???














'A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte.'


(Fotos: aniversário de quatro anos da Central Única das Favelas de Mato Grosso, CUFA-MT, em 07/04/08)

quinta-feira, 3 de abril de 2008

O Suicida 2

E quando ele achou que era o fim da linha... (foto: Lagoa do Banana, Ceará)



Evan já nem se lembrava daquelas coisas sobre morte. Não pressentia, não queria, não pensava.
Nas últimas férias, quando vira sua filha caçula, que estuda em outra cidade, ganhara dela um aparelho celular. Os mais novos sempre querendo empurrar tecnologia...
Evan, como de costume, reclamava muito do aparelho. Também usando o apreciado diminutivo para chamar a filha, dizia, ao telefone:
- Filha, queridinha, esse celular não presta. Não pega em lugar nenhum. Não funciona direito!
E vivia a questionar o pobre aparelho. Até que, em um belo dia, perdeu o celular. Era a vez de queridinha reclamar. Acusou o pai de ingratidão. Ele perdera o celular que ela dera, com tanto carinho.
Chateado por ter magoado a filha e ouvido palavras duras, Evan foi a seu restaurante preferido para procurar consolo. Sozinho, pediu uma cerveja começou a pensar, tristonho. Não queria ter chateado queridinha.
Logo, porém, veio o garçom, com a boa nova:
- Sr. Evan, o senhor deixou um celular aqui...
Que felicidade! Ele havia recuperado o celular! Podia ficar feliz e fazer as pazes com sua filha. Terminando sua cerveja, pensou que, dali adiante, tomaria todo o cuidado com o “infeliz desse aparelho”. Por ela, por queridinha. Ajustou o pensamento e decidiu que iria deixar o celular sempre no bolso da camisa. Ali seria seu lugar, no bolso esquerdo, pertinho coração, para sempre lembrar que sua filha o presenteara. E ali o guardou, imediatamente.
Satisfeito, pagou a cerveja e voltou para casa, a mesma do oitavo andar. Novamente, encontrou a casa vazia. Diabético, calculou que precisava de sua insulina.
Sem a queridinha esposa, foi para quarto fazer ele mesmo o serviço, com um sorrisinho no rosto, parte pelo celular, parte pela cerveja.
Insulina, seringa, agulha, tudo pronto. Seria aplicada, como sempre, na barriga. Subiu um pouco a camisa e segurou-a. Afrouxou a calça. Iniciou a aplicação.
De repente, um terremoto assombrou o coração de Evan. Uma palpitação. Agonia.
- Meu Deus! Infarto! Estou Infartando! Socorro! Vou Morrer! Infarto!
Evan deixou a seringa cair no chão. Ele caiu também, sentado e desolado, sentindo a morte. E, dessa vez, não haveria tempo para esperar a esposa.
Logo, tudo parou. Evan se deu conta que alguém tentara falar com ele. A palpitação no peito era o celular, vibrando, no bolso na camisa, tão perto do coração...
Era a luz no fim do túnel, em forma de um display luminoso onde se lia “1 chamada não atendida”.

segunda-feira, 17 de março de 2008

O Doce Lulando

Tão doce quanto bolo de chocolate...

Lulando era um doce de pessoa. Tinha um sorriso que conseguia mostrar todos os dentes e arrancar gargalhadas alheias. Doce que era, jamais conseguia ser amargo. Jamais conseguia dizer não.
A mulher de Lulando ficava enfurecida. Era preciso saber dizer não de vez em quando. Ela mostrava como era, ele não conseguia repetir. E, assim, a “sim”, Lulando vivia.
Certa noite, em uma festa, a filha adolescente, a mais nova do casal, estava aos beijos com seu namorado em um canto. Os pais já iam embora, era hora. A mãe, enciumada e com certa irritação, pediu que Lulando fosse até lá e “desse um jeito” na situação. Era serviço de pai. Pulso firme. Hora de ir para casa.
Lulando, ordenado, encheu-se do espírito. Fez uma cara de poucos amigos. Pisou firme. Caminhou, firme, sim, mas levemente pendendo para um lado, até onde o jovem casalzinho estava. Olhou, duro.
- Diga, painho. O que é?
- Filha! – com a voz ainda firme e o olhar já descrito.
- O que é?
- É... é...
(pausa)
- Filha! (voz de veludo) Você precisa de alguma coisa? Chave do carro? Um dinheirinho?
- Não painho.
- Então já vou. Boa noite. Qualquer coisa liga, hein?!
- Sim.
Ele adocicou. Colocou no rosto um sorriso meio amarelado. Mas ficou satisfeito. Virou as costas e saiu andando. Dessa vez, apenas pendendo para o lado.

segunda-feira, 10 de março de 2008

O Suicida

E Evan achou que seria levado ao descanso eterno...



Aquele homem chamado Evan (e não Ivan) – a quem simplesmente chamarei de “ele” – havia passado toda a tarde de sábado tomando cerveja com os amigos. Mesmo com a cabeleira já invadida pelos fios brancos, aquele senhor mantinha o frescor da juventude tão visível quanto os sinais no tempo.
Com os reflexos já prejudicados pelas horas imersas no álcool, ele voltou para casa. No seu apartamento no oitavo andar, não havia ninguém. Nem sua mulher, nem seus dois filhos. Apenas luzes a serem acesas. Aquele vazio, aquela escuridão e a visão turva fizeram-no estranho. Sentou-se na sala, sem ânimo para apertar interruptores, e começou a pensar. E sentiu uma agonia enorme, uma tristeza moribunda, um presságio assustador.
“Vou morrer”, ele pensou. Então, calmamente, ali sentado, ficou esperando a morte. Os relógios caminharam minutos, e nada da morte chegar. Ele é impaciente, esperar nunca foi dos seus melhores atributos. Andou até a sacada, olhou a cidade de poucas luzes e o chão, distante. Ninguém passava na rua. Agonia crescendo. Pensou em jogar-se dali. Ele já sabia que iria morrer, só iria fazer passar aquela sensação, logo.
Apoiou-se no parapeito e, pronto para jogar-se, lembrou. “As crianças! Não posso morrer assim, preciso esperar minha esposa chegar para combinar algumas coisas sobre as crianças...”. Voltou ao sofá e colocou-se a pensar nas crianças, ambas com mais de 20 anos.
Deve ter pensado em comer algo também. Detestaria morrer de estômago vazio. Algum pouco tempo depois a esposa abriu a porta, entrou. Admirou-se com ele, ali, no escuro, sentado da sala. Ouviu:
- Queridinha, eu vou morrer. – costumava chamá-la assim, no diminutivo.
- Sim, eu sei, todos nós vamos morrer. – ela, com seu humor sempre afiado, soltou. Talvez por saber das cervejas. Talvez por conhecê-lo melhor que ele mesmo.
- Estou falando sério, vou morrer. E vai ser agora. Só estava esperando você chegar para combinar umas coisinhas sobre as crianças, deixar tudo ajeitado para vocês. Senhas, dinheiro, compromissos, essas coisas todas.
- Eu acho que a gente precisa medir sua pressão.
- Isso, pode medir, aí você vai saber: estou morrendo.
Ela entrou para o quarto e pegou o aparelho. Voltou para sala e mediu a tal pressão. O silêncio voltou a ser quebrado.
- 12 por 8. Incrível! Você nunca esteve com a pressão tão boa! Que maravilha!
- Impossível...
“Impossível!!!”. Ele ficou pensando como poderia morrer se a pressão estava tão boa. Ele não poderia estar redondamente enganado, não podia, jamais estava errado!
- Ok, tudo bem. Mas eu vou morrer. Quer ver? Meça minha glicose.
Ela mediu. Um pouco de insulina e estaria tudo normal. Ele estava muito bem. Já acostumada, ela teve paciência.
- Queridinha, eu não vou morrer?
- Não, você não vai morrer - ria ela.
Então ele, que aguardava a morte apenas com as roupas de baixo, arrastou-a para o elevador do prédio.
- Que isso??!! – espantou-se, pela primeira vez, ela.
- Vamos fazer sexo no elevador. Nunca fizemos, vai ser hoje. Antes que eu morra de verdade.
Com receio dos vizinhos, ela puxou-o de volta para casa. Riu. Deve ter dado um banho gelado nele. E ele dormiu que nem uma pedra, cheio de vida.

domingo, 9 de março de 2008

Ulisses

Bicicleta perdida em São Miguel dos Milagres, AL. Talvez Ulisses tenha passado por lá...



“Ulisseeeeeeeeeeeeeesssssssssss!!!!”. Esse era o berro que mais se ouvia quando Ulisses estava por perto. Um grito sempre sentido, raivoso, descontrolado. O mesmo grito que a mãe dera quando o menino nasceu, a caminho do hospital, em meio a um acidente de trânsito. Ela pariu o nome, pariu a dor e, de Ulisses, então, o menino foi chamado.
Ulisses era uma dessas presenças que se dizia estranha. Ele tinha um ar despretensioso e demasiado vago. Ele parecia ter uma insignificância que torturava. Tudo parecia incomodar-se quando ele estava perto.
Quando bebê, ninguém gostava de segurá-lo. Não que não fosse uma gracinha, era. Mas, quem quisesse chegar perto, acabava escorregando no tapete do quarto, batendo a cabeça em parte do berço ao abaixar-se para pegar o menino, ou levando uma quente, longa e mal cheirosa mijada. Foi então que começaram os gritos e terminaram as visitas.
A mãe de Ulisses vivia em lágrimas. Uma coitada. Não entendia a estranheza da presença de seu filho, ele era tão manso, tão calmo, tão querido... Quando o moleque foi aprender a andar de bicicleta na rua de casa, as crianças vizinhas tiveram que desistir. Desequilibravam-se, caiam, machucavam-se. Ele não tinha amiguinhos.
Na escola, Ulisses era o quase típico desengonçado do fundão da classe. Mas ele pouco falava e muito observava. E, desengonçadas mesmo, ficavam todas as coisas ao seu redor. No primeiro dia de escola da sua vida, assistiu à professora despencar do tablado quando convidava os pequenos a apresentarem-se, e era justamente a sua vez. Ele ficou sentido com aquilo.
Ulisses cresceu assim. Sua presença era desconcertante. Era copo que quebrava, comida que queimava, carro que batia, pneu que furava, chuva que caía, goteira que molhava. Era fato para muita prosa. E ele nunca colocava a mão em nada. Nem antes, nem durante, nem depois. E só se ouvia “Ulissessssssssss!!!!”.
Ele parecia não ter muito cheiro, seus olhos brilhavam muito e ele não gostava de mostrar os dentes. Seu sorriso era quase de cabeça baixa, com uma força incrível que tentava manter os lábios semi-cerrados.
Ninguém nunca soube o que Ulisses pensava, sobre tudo, sobre nada.
Um belo dia, logo depois que sua mãe morreu, encontraram a casa vazia. Lá havia apenas um bilhete. Nele estava escrito “Eu não sei.”, assinado com o nome de Ulisses, com vários ‘e’ e vários ‘s’, seguidos de exclamações, como um grito, um berro sentido, como ele sempre fora chamado.
Depois disso, a vizinhança voltou a ser feliz.

quarta-feira, 5 de março de 2008

Cheia de Vida


Eu canso de ouvir “detesto aniversário”. Pouco respondo. O que é difícil, já que quando uma opinião oposta chega a mim eu rebato com força. Acho que é porque, instantaneamente, eu me perco no pensamento “adoro aniversário!”. E gosto mesmo. Por isso, exatamente próximo da virada para o dia 6 de março, escrevo sobre meu 23º ano de vida.
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23 anos! Já!
Acredito que quase todos se espantam com o tempo, rápido. E ele é ótimo, justamente por surpreender. Ele é sócio das doces e saudosas lembranças. Ele nunca esquece de ninguém. Derruba, mas cura. Ensina. Chacoalha.
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Hoje eu quero soprar velas e comer bolo. Ganhar presentes. Ouvir “parabéns”. Abraçar e ser abraçada pelos queridos. Receber telefonemas dos queridos distantes. Ouvir boa música. Tomar Cerveja. Dançar. Eu quero lembrar de 23 anos bem vividos e sonhar com mais 23 e mais 23 de paixão pela vida e entusiasmo. Pois eu adoro viver, adoro sorrir e adoro o tempo, meu mestre.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Vida em cada lápide


Ontem estava entre mil assuntos com uma grande amiga. Espiritismo um deles, já que sou uma grande interessada e curiosa na área e ela, espírita. Eu sou encantada com espiritismo. Honestamente, não sei por que ainda não sou praticante da religião. Mas estou caminhando... Fui criada em família católica, batizada, fiz primeira comunhão, crisma e tudo que tive direito. Quase tudo, aliás. Entrar de vestido branco e fofo, com padre e marcha nupcial, só aos três anos como dama de honra, rs.

Além de todas as simpatias com o espiritismo – que não vou descrever aqui para não parecer uma pregação religiosa – agrada-me muito a maneira como ele mostra a morte. Ela, tão temida, tão odiada, vira uma passagem para o seu verdadeiro e eterno ser, a sua essência.
Mas, fora as alongadas introduções sobre espiritismo e morte, hoje eu quero falar mesmo é sobre cemitérios. Eu adoro cemitérios.

Esse aí da foto foi fantástico conhecer. Estava desbravando as ruas de Joinville, solitária andarilha curiosa, envolvida num cachecol e numa câmera fotográfica. Caminhando pela paisagem urbana, surgiu, pela direita e envolvente, a visão de portões antigos, enferrujados e uma grama muito verde, bem cuidada.
O terreno por trás das grades era um pouco alto, um morro, cheio de lápides muito antigas. Parecia que a rua havia voltado no tempo, comigo nela. Entrei. Tudo vazio. Túmulos todos com escrituras em alemão. Era o Cemitério dos Imigrantes, inaugurado em 1.851. E eu fiquei tempos por ali, demorei a voltar ao presente.
Fora as rápidas palavras com um homem que estava ao fundo, aparando e bem cuidando a grama, não tive oportunidade de conversar com mais ninguém. Não havia mais ninguém ali. Acho que as pessoas não gostam muito de cemitérios.

Então, entre meus monólogos, observei. Observei. E observei. Diante de cada túmulo, das datas de nascimento e morte, do estilo da lápide, eu imaginava o que poderia ter sido da vida ali. Era tanta lápide, tanto nome, tanta data. Era tanta gente, era tanta vida.
E é muita história, continua sendo, imortalmente história.
Ali, diversas lembranças em formas de concreto, de pessoas com uma face, uma cultura, uma trajetória, possivelmente com algo em comum com a terceira lápide à esquerda, ou a quinta ao sul...

Acho que é por isso que eu gosto de cemitérios. Eles me fazem lembrar que a morte leva um bocado de coisas, mas a história fica.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Caras, bocas e o Rei

Todos olhavam o Sol.
Eu olhava todos.

Foi difícil escolher:
de um lado, o mar engolindo uma bola de fogo, em um pôr-do-sol tido como um dos mais belos do mundo;
do outro, feições, muitas. Caras, bocas, sorrisos, lágrimas, tudo. Outro espetáculo.
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Duna do pôr-do-sol, Jericoacoara, Ceará.


sábado, 23 de fevereiro de 2008

Luares


Ontem a lua estava linda e imponente, mais uma vez. E é encantadora a maneira como seus momentos de beleza são únicos, inéditos... eles não se repetem. Superam-se, somam-se. Essa lua aí de cima – quem dera tivesse eu uma câmera apropriada – nasceu e morreu em Japaratinga, interior paradisíaco de Alagoas (a mesma praia do vendedor de doce de caju).
Mas, não quero poetisar ultra-doces-melosidades sobre a lua hoje, não. Em breve pesquisa pela rede, achei algumas curiosidades sobre ela:

- A Lua tem diâmetro de 3.476 km, o que representa 27% do diâmetro da Terra.
- A distância de lá até aqui é de 384.000 km- A temperatura média superficial é de 107° C durante o dia e -153° C durante a noite
- Os romanos a chamavam Luna e os gregos Selene e Ártemis
- O Alcorão ensina aos maometanos olhar a primeira lua nova para iniciar o jejum de Ramadan
- O primeiro passo na Lua foi dado com um pé tamanho 41. Este era o número da bota azul do astronauta Neil Armstrong, então com 38 anos. O passo foi dado com o pé esquerdo
- O brilho da Lua não diminui para metade quando ela está em quarto. O seu brilho é apenas 1/10 do que ela tem quando está cheia! Isso deve-se ao relevo da Lua: quando ela está em quarto as partes mais elevadas projetam sombras nas partes menos elevadas e reduzem a quantidade de luz solar refletida na direcção da Terra.
- O mais longo eclipse lunar total entre os anos de 1900 e 2000 aconteceu em 16 de julho de 2000 e durou 1h47m01s

- Na pesquisa “lua poemas” no google, aparecem 2.160.000 resultados. Os resultados para o Rei Sol não são nem um terço disso. A Lua instiga cientistas, poetas, apaixonados, curiosos... Ela é material e imaterial, feita de rochas e desejos.
Por que será que a Lua provoca tanto encanto?

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Olhares de (des)encanto


Esse é o Camilo. Típico “filho do caseiro”. Pouco conhece além das porteiras. O mundo dele é inocente. Só sorrisos. E um brilho nos olhos que palavras ou lentes jamais poderiam descrever.
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Outro dia, apressada e cheia dos problemas que a gente inventa, ignorei uma criança que me gritava, de longe, querendo “cuidar do meu carro” quando estacionei na rua. Alguns minutos depois, quando voltei ao carro, o menino pedia, furioso, pelo seu dinheiro, digno de seu serviço. Reclamava, impetuoso, por eu não ter atendido aos seus gritos vindos da esquina de cima, sentado em um meio fio. Não dei um tostão. Bati porta. Liguei o carro. Ele colocou os pés sob o pneu dianteiro, petulante, orgulhoso e destemido. Eu fui firme. Ele ameaçou e praguejou, revelando minha sorte por ele não ter nada ali com o que pudesse me fazer mal. Mas, de alguma forma, o fez. Ele não tinha o olhar encantador do Camilo. E era só uma criança.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Campanha Amélia do Dia

Se ambos brigassem pelo mesmo lado...


Hoje eu não fui ao jornal, e a lugar algum, ainda. Fiquei em casa e daqui do meu computador trabalhei (a minha função me permite isso certas vezes). Além disso, trabalhei em casa também como Amélia, rs. Limpei, organizei, perfumei, quebrei uma unha. E voltei ao computador.
Eu sempre me encanto com a diversidade que podemos assumir. Meia hora lendo sobre um diário de Guimarães Rosa com anotações da Segunda Guerra Mundial, meia hora esquentando a barriga no fogão e resfriando na pia (ah, os homens-machões vão à loucura com essa piadinha).
E é essa diversidade, especialmente a feminina, que eu quero abordar hoje. A mulher precisa determinar – e delimitar – seus papéis? Ela precisa ser tudo ou pode não ser nada? Ela tem que escolher entre ser brilhante profissional ou dedicada dona de casa? Ela precisa ter tanto medo de ser... mulher??
A questão é que, depois de uma história de submissão, a mulherada quis brigar, e brigou – e ainda briga – por igualdade. Na verdade, o processo que está acontecendo hoje não é mais de igualdade não, é de inversão dos valores, de trocar um por outro. Conheço muita mulher que tem horror de ir à beira do fogão fazer uma comidinha gostosa para agradar quem quer que seja (até a si mesma). Parece que há uma aversão feminina a tudo que foi dito feminino. Hoje elas querem ter um carrão, um emprego maravilhoso, um gatão gostoso para as horas convenientes... e só! Além, não perdem tempo pensado em casa, marido ou filhos (talvez depois dos 40, se a medicina ajudar e se já existir um tratamento definitivo para estrias).
Eu fico pensando no que vai acontecer ao mundo sem a sensibilidade feminina. Além dos comerciais de margarina, muita coisa pode mudar, rss. Não quero ser feminista e dizer que nós, com todo nosso glamour e charme, estamos no topo. Nem ser machista, ditando que a mulher jamais deve deixar sua cozinha esquecida. O que eu quero é dizer que existe alguma divisão de papéis que funciona legal. Não aquela ditada por uma sociedade (não gosto dessa), mas aquela coordenada por um instinto (essa eu adoro). Fora as exceções, mulheres e homens têm algumas percepções e aptidões comuns dentro de cada sexo. Sensibilidades diferentes. É isso.
Algumas mulheres são macho pelo instinto delas, parabéns. Outras o querem ser pelo feminismo, pela inversão de papéis, pelo “troco”. Tsc tsc tsc... Alguém já teve boas oportunidades de notar um ambiente sem a alma feminina (mesmo a que vem de um homem rss.)? É menos colorido e mais objetivo. É mais prático e com menos detalhes graciosos onde se perder. Pelo outro lado, ao lugar ultra feminino parece que falta um algo para preencher (não foi piada).
Sendo um pouco masculina agora, a questão é a seguinte: matemática pura. A soma aumenta o bolo. Então eu lanço a campanha: “Mulheres: sejam Amélia 30 minutos por dia”. É mesma recomendação de tempo quanto ao exercício físico, o que quer dizer que sempre pode ser mais, rs.
Ando vendo muita criança mal alimentada que vive se enchendo de Mc Donald’s porque a mãe não pode – e nem sabe – preparar um lanche decente. Tenho visto muita mulher que exige que seu parceiro cumpra o papel de homem e troque o pneu do carro sozinho, no sol, mas que, quando chega em casa, torce o nariz e não passa a camisa que ele pediu (“tá achando que eu sou o que? Dona de casa?”). E tenho visto blá, blá, blá, blá....São muitos exemplos, vistos de qualquer janela.
Hoje eu acordei. Trabalhei. Li revistas de cultura e JGR. Ouvi “La Traviata”, de Verdi, pelo menos umas três vezes. Também Marisa Monte. Fiz um delicioso capeletti de tender ao molho de damascos e ervas para o almoço. Lavei louças. E roupas também. Bati, como nos velhos tempos, um bolo à mão, com colher de pau, e assei-o, para o café da tarde. E estou me sentindo MULHER, muito mulher, completa e diversificada. Fera, bicho, anjo e mulher. Gabriela do Amado, Helena do Maneco, Amélia do Roberto. Thalita.
Mulheres, não temam uma unha quebrada.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

- Vai um doce de cajú dona?
- Não, obrigada...
- É bom, fresquinho. Vendo doce nessa praia tem uns quinze anos...
- Eu quero é tirar uma foto, pode? Depois a gente vê o doce...
- Pode.
(Japaratinga, Alagoas)

O Encanto Primeiro

“Seu dia hoje tem uma carinha especial, de encanto, na sua forma de falar ou de escrever. Mostre sua sensibilidade e sua meiguice, muitas vezes disfarçada para se defender”. Isso veio do horóscopo. Li hoje pela manhã quando fui arrumar a página com astrologia para o jornal. Eu fiquei até encantada, lisonjeada, abri um sorriso meigo e pensei em um dia lindo, ah! Então sacudi a cabeça, olhei no relógio e guardei tudo no bolso. Continuei a trabalhar. Mas, disfarçada a meiguice, ainda pensei no “falar” e “escrever”. Legal. Eu gosto. Porém, são minha rotina, as faço diariamente, são meu ganha pão. Deixa pra lá...
Dia sossegado, mas cheio. Metade dele na frente de um computador, lendo muita coisa que outras pessoas escreveram. E, na hora daquele banho no fim do dia (incrível como banho é uma coisa reflexiva), veio de novo “falar”, “escrever”, “encanto” à cabeça. E, então, cá estou, escrevendo, fora da rotina, fora do jornal, da revista, do dinheiro e, ufa, fora do banho (por pouco, pois se pudesse, começava a teclar de lá mesmo).
E a parte do encanto, onde eu encaixo? Eu gostei daquilo no horóscopo, mesmo. Bom, vamos primeiro aos sinônimos que encontrei no dicionário: feitiçaria, mágica, sedução, beleza, magia. Ótimo. Eu gosto de tudo isso, porque é misterioso, porque é magnético e me atrai. Taí... esse será o primeiro post de um blog que vou criar. Ta na moda, né?! (rsss.) E como a liberdade é encantada, não vou me prender a nenhum assunto. Vou escrever sobre tudo aquilo que me encanta, que me vem aos olhos como magia.
Para começar, nada mais me vêm à cabeça além do próprio conceito de “encanto”. Sem dicionários agora, o que é que promove o encanto? Por que é que a gente se encanta ou não se encanta por qualquer coisa? Não há critérios. É por isso que eu gosto tanto de observar – e de me encantar. Olho por uma janela, vejo a rua, as pessoas no seu cotidiano, outras saindo da rotina. E, ali, no meio de tudo, alguma coisa sempre salta aos olhos. Mais, muito mais que as outras, e, tenho dito, sem critério. Passa a ser encantada. O momento congela e vira memória. Lembra-se?
Às vezes eu penso que isso acontece porque nossa memória é gigante, de outras vidas – e não temos acesso a quase nada no consciente. Mas rola um “click”, uma identificação com alguma coisa. Nas relações pessoais, o encanto ou é imediato ou é inexistente. É pouco provável conhecer uma pessoa e apenas muito tempo depois enxergar uma aura de encanto em torno dela. Não é mesmo?! E não importa o que aconteça entre você e essa pessoa, ao final de qualquer coisa, ainda existirá um olhar, mesmo que disfarçado e oprimido, de encanto.
Lembrei-me de um trecho de uma entrevista que eu vi com o escritor Humberto Eco, sobre o livro “História da Feiúra”. Certa hora ele dizia sobre como é incrível o fascínio que algumas pessoas exercem, mesmo sendo esteticamente feias, consideradas fora do padrão. “Fascínio”. Era essa a palavra que ele usava e descrevia como algo magnético, sem critérios, sem explicação. É o que, aqui, estou chamando de encanto.
Quantas pessoas e momentos da sua vida você consegue encaixar no setor de “encantados”? Ah, se encantar com uma paisagem belíssima é fácil. Mas e aquela vez que você se encantou por um algo diferente, talvez feio e insignificante para o resto do mundo?
Apesar de eu ser um tiquinho pretensiosa (confesso), não tenho aqui a pretensão de querer explicar e definir o que é o encanto. Eu quero é filosofia de boteco, como dizem. Papear, sabe?! Discutir. E encantar, claro! (eu falei que eu era pretensiosa, falei...rs.). Que o encanto venha. De uma frase escrita, de uma palavra, de uma reflexão. Mas, que venha.
Ah, para quem quis saber, meu signo é Peixes.