quinta-feira, 5 de junho de 2008

O conto das falsas coincidências


Todo dia de manhã era tudo igual. Ou quase. O sol batendo na parede direita do quarto, o despertador muito pontual, o alongamento, o banho, as notícias na internet, o “bom dia” ao dia... As frutas do café da manhã variavam, mas nem tanto. Por entre os atos diário-mecânicos surgiam fagulhas de novidades, às quais ele agarrava-se com força. Eram pequenos sinais, que davam o tom de quase à quase rotina e alimentavam a mente.
Ele falava pouco, porque gostava de observar muito, e achar os seus sinais. Naquela manhã de sexta-feira houve um acidente no trânsito, o que complicou bastante o tráfego. Em certo ponto, onde não era mais possível seguir reto, os motoristas embananavam-se entre o desvio direito e esquerdo. Ele, por uma fração de segundos, quase teve a mesma dúvida, mas lembrou-se da palavra “direito” na manchete em destaque no site de notícias que vira ao acordar. Por ali ele foi, pelo lado direito, que continha uma placa indicando a direção Sul.
O desvio redeu um pequeno atraso no trabalho. Nada grave. O pior dano foi não encontrar mais nem um gole de café na disputada garrafa térmica no escritório. As pessoas bebem muito café pela manhã. Na cantina do mesmo andar, ele resolveu comprar um chá, daqueles enlatados, gelados. A experiência foi boa, ele gostou. Resolveu ler o rótulo, a bebida era fabricada na região Sul do Brasil. Algo lhe despertou um sorriso daqueles de canto. Deve ter sido para o lado direito.
O trabalho foi normal. O almoço era sempre em algum restaurante ali por perto, para onde ele gostava de ir caminhando. Escolheu, entrou, serviu-se. Comeu assistindo à grande televisão de plasma que distraía famintos e satisfeitos. Antes de sair, uma matéria sobre a tradição das rodas de chimarrão roubou-lhe um minuto.
O trabalho durante a tarde voou. Prestes a ir embora, um colega perguntou sobre os planos para o feriadão que se iniciava no dia seguinte. Ele respondeu que não sabia, embora sua cabeça já pudesse imaginar.
Na volta para casa, depois do expediente, o caminho normal já pôde ser feito. Em casa, fumou o único cigarro do dia e cumpriu outros rituais. No último noticiário de sexta, ouviu, no quadro das previsões climáticas: “tempo bom na região sul do Brasil”.
Desligou a tevê. Organizou as idéias – e as malas. Na manhã seguinte pegou o primeiro avião para o Sul. Talvez estivesse lá o que ele tanto procurava.
Quase teve certeza quando viu que o número de seu vôo era o mesmo que os últimos quatro dígitos de seu telefone fixo. Na revista de bordo, uma pergunta na capa: “Você acredita em coincidências?”. A resposta dele foi clara. O sorriso, agora, foi com os dois cantos.